segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Por que a extrema direita elegeu Paulo Freire seu inimigo

 Em dezembro de 2003, o então ministro da Educação Cristovam Buarque inaugurou, na frente da sede do ministério, em Brasília, um monumento em homenagem ao educador Paulo Freire (1921-1997). O pedagogo era então aclamado como uma personalidade importante da história intelectual do país — nove anos mais tarde, uma lei federal o reconheceria como patrono da educação brasileira. Em 2019, Abraham Weintraub comandava o mesmo ministério no primeiro ano da gestão do presidente Jair Bolsonaro. Diante dos maus resultados obtidos pelo país no ranking Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), ele chamou o monumento a Freire de "lápide da educação" e afirmou que o pedagogo "representa esse fracasso total e absoluto". O próprio Bolsonaro já criticou Paulo Freire, e em mais de uma oportunidade. Numa das ocasiões, referiu-se a ele como "energúmeno". É um discurso recorrente: nos últimos anos, a extrema direita brasileira tem usado Paulo Freire, cujo centenário de nascimento é celebrado neste 19 de setembro, como bode expiatório para a baixa qualidade do sistema educacional brasileiro. De acordo com especialistas ouvidos pela DW Brasil, o que incomoda reacionários e também alguns conservadores é o fato de a pedagogia freireana ser essencialmente política. "A essência da obra de Freire é totalmente política, no sentido nobre do termo, não no sentido da política partidária", diz o sociólogo Abdeljalil Akkari, da Universidade de Genebra, na Suíça. "Por isso em todas as regiões do mundo, sua obra é lembrada como algo muito interessante para refletir sobre o futuro da educação contemporânea." "O objetivo da pedagogia freireana é fazer com que cada uma e cada um aprendam a dizer a própria palavra, ou seja, tenham a capacidade de ler o mundo e se expressar diante do mundo. É a pedagogia da autonomia, da esperança: libertadora no sentido de as pessoas terem as capacidades de se libertarem das opressões que buscam calá-las", diz o educador Daniel Cara, professor da Universidade de São Paulo e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Professor do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ítalo Francisco Curcio acredita que parte dessa controvérsia seja por desconhecimento do que é, enfim, o método Paulo Freire. "A maior parte dos que dizem rejeitá-lo nem é especialista em educação, acaba repetindo frases apregoadas por líderes com os quais se identifica", comenta. "Isso é muito ruim. Quem padece é a própria população, desde a criança até o adulto." O educador Cara argumenta que Freire não é bem aceito pela extrema direita justamente porque sua filosofia não admite a doutrinação. "O sectarismo do autoritarismo impede o reconhecimento de uma pedagogia verdadeiramente libertadora", afirma. "Então, Freire se tornou inimigo dos ideólogos de direita porque busca uma pedagogia libertadora, enquanto o modelo tradicional é uma pedagogia opressora." "Quando a extrema direita chegou ao poder no Brasil, precisava agir no campo da educação. E a figura de Freire se mostrou fácil de ser atacada, porque era algo comum nas comunidades educacionais do Brasil", diz Akkari. Para o professor, conservadores tendem a acreditar que os problemas educacionais podem ser corrigidos com base em aspectos instrumentais, ou seja, mais tecnologia, equipamentos e carga horária, e não com uma mudança de abordagem. Além disso, existe um tabu sobre politização e formação crítica — ele lembra o movimento Escola Sem Partido, criado nos anos 2000 e que ganhou notoriedade no país após 2015. Paulo Freire é o oposto de tudo isso: sua obra é baseada na formação crítica do aluno. "Ele é o pedagogo da politização da educação", define Akkari. 


Fonte: Terra.

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