A segunda sessão de debate temático sobre o PL 5.595/2020,
projeto de lei que torna a educação um serviço essencial e
proíbe a paralisação do ensino durante pandemias, mostrou
que o assunto segue longe do consenso. Senadores,
representantes de trabalhadores do setor, estudantes e
médicos apresentaram nesta sexta-feira (2) visões divergentes
sobre o momento mais adequado para a volta às aulas. O
debate, que foi realizado de forma remota, foi solicitado pelo
senador Flávio Arns (Podemos-PR).
Parte dos debatedores considera que o projeto garante que
estudantes tenham acesso à educação, direito que estaria
sendo violado durante a pandemia. Outros consideram que
projeto desconsidera a autonomia de estados e municípios, e
impõe que crianças, adolescentes e jovens adultos voltem a
circular em um momento em que o país segue com média de
cerca de duas mil mortes por covid-19 por dia. Durante a
reunião, foram constantes as queixas em relação à falta de
uma coordenação nacional pelo Ministério da Educação e
também em relação aos cortes sucessivos no orçamento do
setor.
Para tentar contornar o impasse, o senador Flávio Arns propôs
a criação de um grupo de trabalho para coordenar e pensar os
protocolos para retorno às aulas. A ideia é que o grupo conte
com membros do Congresso, do Ministério da Educação, de
estados e municípios, além da participação de professores,
estudantes e trabalhadores da educação para estudar um
conjunto soluções para a educação durante a pandemia — e
também no pós-pandemia.
— A gente observa, e foi apontado, uma ausência de
articulação, coordenação, orientação de como as coisas
devem acontecer; não só como abrir as escolas, mas o que
fazer dentro das escolas no período pós-pandemia, qual é a
estrutura, qual é o plano, como é que está a conectividade, que
orientação que vamos dar, como é que a gente pode, na
verdade, recuperar esse tempo. Então a gente [pode] ter,
coordenado pelo Senado Federal, por essa comissão, um
grupo realmente que pudesse orientar — disse Flávio Arns.
Já o senador Esperidião Amin (PP-SC) considera que a
abertura das escolas e universidades públicas é urgente. A
questão, para ele, é “como abrir”.
— O meu manual é: como abrir a escola, não como manter
fechada. E eu lamento que esta reunião tenha sido uma
reunião presidida pelo princípio de justificar, pelo princípio da
cautela, como manter a escola fechada.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN), por sua vez, apontou que
todos concordam que a educação é um direito fundamental,
mas ela enfatizou que é contra a imposição da volta presencial.
Para a senadora, o projeto de lei (PL 5.595/2020) é
desnecessário.
— Educação é um direito social. Não precisa desse projeto de
lei. O Senado Federal está preocupado, sim, com as aulas
presenciais, para diminuir esse distanciamento entre as
escolas públicas e privadas em termos de acessibilidade aos
meios tecnológicos pelos alunos. Mas queremos fazer isso
sem botar em risco os professores, os trabalhadores e os
próprios alunos, principalmente em um país que tem mais de
520 mil óbitos — alertou ela.
O senador Marcelo Castro (MDB-PI) avalia que é problemático
incluir a educação entre as atividades consideradas essenciais,
como é o caso de saúde e segurança. Ele defendeu a
substituição do termo "essencial" por “fundamental”, ideia
proposta pelo senador Jean Paul Prates (PT-RS).
— Esse termo, "atividade essencial", é um termo
comprometido na legislação. Há atividades que não podem ser
interrompidas sob pena de levar pessoas ao risco de morte, de
perda da saúde ou da sua segurança. Educação é uma
atividade essencial? É. Mas, se ela não for praticada, as
pessoas morrem? Não. Adoecem? Não. Perdem a segurança?
Também não — disse.
No entanto, a professora Carolina Capuruço, da Universidade
de Minas Gerais (UFMG), alega que, além da questão
educacional, a escola oferece proteção social e alimentar.
— Quanto mais tempo as escolas ficam fechadas, sobretudo
nas baixas faixas etárias, mais desnutrição, mais pobreza,
menos acesso à saúde, menos acesso à escola, que, todos
aqui sabemos, é o primeiro local de detecção de abuso físico,
social e mental — argumentou.
Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, afirmou que parte da
comunidade escolar está com medo da volta presencial e
questionou:
— Que educação se faz com o medo? Que educação se faz
sem condições? Então, do ponto de vista pedagógico também,
não é o caso de voltar sem condições sanitárias.
Representante da Federação do Sindicato dos Professores e
Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes), Oswaldo
Negrão lembrou que o direito à vida é o principal dentre
aqueles garantidos na Constituição.
— Acima de tudo, de todos os direitos constitucionais, nós
precisamos remeter ao artigo 5º da Constituição, que é o
direito à vida. Nós não ministramos aulas para cadáveres. É
um fato primordial a garantia fundamental, o direito à vida —
assinalou.
Autonomia
Para Nina Beatriz Ranieri, professora de direito da
Universidade de São Paulo (USP), o projeto de lei discutido
não desconsidera a autonomia de estados e municípios nem
as regras sanitárias.
— Uma lei federal que qualifique a educação presencial como
atividade essencial não significa autoritarismo, não significa
uma imposição para esses entes federados porque seria
inconstitucional. As redes decidirão como e quando voltar, de
acordo com as suas possibilidades.
A visão de Nina Ranieri contrasta com a de Lucas Fernandes,
líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação.
Ele afirmou que a norma não considera as especificidades das
regiões e a situação da pandemia em cada município.
— Apesar da intenção dos legisladores parecer positiva, de
colocar a educação em primeiro lugar, colocar a educação
como essencial, ela erra no momento em que não dialoga com
a heterogeneidade brasileira, não dialoga com a autonomia
federativa de entender que os estados e municípios estão em
lugares muito diferentes desse processo, e que eles não
precisam de uma lei dizendo: "Faça" — argumentou Lucas
Fernandes.
Durante a reunião, alguns dos participantes defenderam que,
antes de impor a volta às aulas, o Brasil precisa avançar no
controle da transmissão do coronavírus, aumentar a testagem
e a vacinação.
O relator do PL 5.595/2020 é o senador Marcos do Val
(Podemos-ES).
Fonte: Agência Senado