De 2020 até setembro deste ano, o Ministério da Educação não gastou nada no
programa Sala de Recursos Multifuncionais, que oferece dinheiro para as escolas
comprarem materiais e ferramentas para atendimento de alunos com deficiência.
Sem verba, o atendimento a esses alunos ficou comprometido.
A informação faz parte de um relatório da Comex/MEC (Comissão Externa de
acompanhamento do Ministério da Educação), grupo formado por deputados
federais que acompanham as ações e os gastos da pasta.
Para os parlamentares, o "governo federal fracassou no que se refere à educação
brasileira desde o início do mandato do presidente Jair Bolsonaro [PL] e a situação
ficou ainda pior durante a pandemia da covid-19".
Procurado pelo UOL desde a semana passada, o MEC não respondeu aos
questionamentos sobre este assunto. O espaço fica aberto para atualizações.
Em 2019, não houve destinação de recursos para o programa. No ano seguinte, o
orçamento previa quase R$ 254 milhões e em 2021, cerca de R$ 65 milhões. O
MEC reduziu a verba em quase 75% de um ano para o outro —ainda que ela não
tenha sido usada.
A sala de recursos é usada pelas escolas como um espaço para apoiar a
aprendizagem do aluno focado nas necessidades individuais, em um trabalho
personalizado em paralelo ao da sala regular. Por isso, na maioria das instituições,
os estudantes participam das atividades no local no contraturno.
O relatório afirma também que a Semesp (Secretaria de Modalidades
Especializadas de Educação) entregou, em parceria com o FNDE (Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação), cerca de 11 mil livros com tinta-braille para
alunos com deficiência dos anos iniciais. O número, no entanto, representa 0,35%
do total de estudantes de 4 a 17 anos que possuem alguma dificuldade permanente
para enxergar.
Para o deputado e coordenador da Comex/MEC, Felipe Rigoni (sem partido), dentro
do MEC é possível encontrar um "viés segregacionista". Ele afirma também que há
"incompetência" e "preconceito".
Descaso' e mais críticas
Dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica, lançado pelo Todos pela
Educação e pela Editora Moderna, apontam que apenas 56,1% das escolas
brasileiras possuem banheiro adequado para pessoas com algum tipo de deficiência
e menos de 30% têm sala de recursos multifuncionais para AEE (Atendimento
Educacional Especializado).
Rodrigo Mendes, fundador e superintendente do instituto que leva seu nome —e
que acompanha ações de inclusão nas escolas—, afirma que os dados do relatório
do Comex/MEC mostram o "profundo descaso" do país com as políticas voltadas ao
alunos com deficiência.
"No fim das contas, o que sai caro para o orçamento do país e para a sociedade é a
continuidade da exclusão de um segmento que representa cerca de 15% da
população brasileira", afirma.
A condução do MEC em torno do tema da educação inclusiva foi criticada por
especialistas e educadores há alguns meses, principalmente após o ministro da
Educação, Milton Ribeiro, dizer que alunos com deficiência "atrapalham" o
aprendizado dos demais. Dias depois, ele afirmou ainda que existem crianças com
"um grau de deficiência que é impossível a convivência" nas escolas.
Depois da repercussão negativa, Ribeiro pediu desculpas. A pasta, no entanto,
defende a PNEE (Política Nacional de Educação Especial), que na prática pretende
retirar as crianças com deficiência das turmas regulares para fazerem parte de
turmas exclusivas.
A PNEE foi criticada e se mantém suspensa até o momento pelo STF (Supremo
Tribunal Federal). "Insistem em tentar separar pessoas com deficiência de pessoas
que não têm deficiência. O resultado disso é a falta de políticas públicas eficientes,
falta de investimentos e falta de coordenação", afirma Rigoni.
O programa Escola Acessível, segundo o relatório, atendeu apenas 12% da meta
estipulada pela pasta. Das 60 mil escolas públicas em todo país, 7.265 foram
contempladas com o projeto. O objetivo é repassar verba para que as escolas
façam melhorias visando adequação da arquitetura ou estrutural dos espaços.
Apesar da pandemia de covid-19, Mendes afirma que o MEC não pode justificar a
falta de investimentos por causa do fechamento das escolas. "Essa é uma
explicação insuficiente e que não traduz o volume de investimento que é necessário
para manter as redes de ensino em andamento", afirma.
Segundo o especialista, mesmo com a suspensão das aulas presenciais, os
professores da sala de recursos e das turmas regulares continuaram trabalhando
para oferecer educação para todos os alunos, inclusive os com deficiência.
"A pandemia trouxe a necessidade de investimento em outros fatores, materiais que
são acessíveis no formato remoto, por exemplo", diz Mendes.
Queda no orçamento e baixo gasto
O relatório também mostrou que houve queda nos orçamentos de algumas áreas do
MEC. A alfabetização na EJA (Educação de Jovens e Adultos), por exemplo, teve
67% menos dinheiro em relação a 2019. A verba foi de pouco mais de R$ 25
milhões para R$ 8 milhões neste ano.
De acordo com a comissão, o "cenário foi agravado pelos ínfimos índices de
pagamento", já que em 2019 apenas 0,27% da dotação foi atualizada, no ano
passado não houve pagamentos e, em 2021, "as taxas de pagamento com tal
finalidade foram de 0,87%".
O programa Inovação Educação Conectada, que oferece dinheiro para internet nas
escolas, também teve baixíssima aplicação: menos de 1% dos R$ 3,1 milhões, o
que foi usado como justificativa pelo ministro da Educação para concordar com o
veto de Bolsonaro ao PL 3477, que autorizava o repasse de mais de R$ 3 bilhões.
Durante uma das audiências na Comissão de Educação na Câmara dos Deputados,
Ribeiro chegou a dizer que "despejar dinheiro não é política pública".
O relatório, enviado ao MEC, também apresenta dados e análises sobre o cenário
da educação infantil, ensino médio, educação do campo, indígena, quilombola e
profissional e tecnológica.