Déficit
tecnológico é impasse na volta às aulas do ensino remoto
A pandemia
transformou completamente a rotina das salas de aula, que passaram a ser em
casa e muitas das vezes sem recursos adequados para isso. Com o início do novo
ano letivo, os municípios estão optando pela permanência da modalidade remota e
a retomada do ensino presencial de forma híbrida, metodologia que combina
aprendizado online com aulas presenciais.
No entanto, cerca de seis milhões de estudantes brasileiros, desde a pré-escola
até a pós-graduação, não têm acesso à internet banda larga ou 3G/4G em casa e,
consequentemente, não conseguem participar do ensino remoto. Desses, 5,8
milhões são alunos de instituições públicas, segundo o estudo Acesso Domiciliar
à Internet e Ensino Remoto Durante a Pandemia, realizado pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
A empregada doméstica Alexandra Pires, de Jundiaí (SP), está entre a grande
parcela que enfrentou problemas no ensino remoto com sua filha Caroline, 10
anos, que cursa o 5º ano da rede pública. “Foi uma dificuldade tremenda, porque
eu trabalho e tinha que chegar do serviço, ajudar ela com as aulas que eram
pelo celular. O celular é meu. Tinha que esperar ela fazer os deveres para
depois olhar minhas coisas. Foi muito complicado e às vezes tinha internet, às
vezes não”, contou.
Os alunos do
ensino fundamental são os mais afetados de acordo com o estudo. Juntos, os anos
iniciais e os anos finais somam mais 4,35 milhões de estudantes sem acesso,
sendo 4,23 milhões de escolas públicas.
Para o melhor
aprendizado, o desejo da mãe era do retorno das aulas presenciais, mas ela teme
a segurança da filha que é asmática. “No caso eu acho que eles deveriam dar
toda a assistência para as famílias e não foi isso que fizeram. Simplesmente
você tinha que se resolver da melhor maneira possível, como dava para fazer”,
reclamou Alexandra.
Dos 5,8 milhões de
estudantes de escolas públicas que não têm conexão, apenas 2,6 milhões
dispunham de sinal de rede móvel celular. O estudo Ipea afirma que, destes,
aproximadamente 800 mil precisam somente de um chip de dados, porque já dispõem
de computador, tablet, celular ou notebook.
Para o coordenador
do Todos Pela Educação, Ivan Gontijo, o ensino remoto no Brasil teve um efeito
bastante limitado já que o uso da tecnologia não era difundido e seria
impossível falar da continuidade sem os gestores municipais pensarem em um
investimento em tecnologia.
“Em grande parte
do sistema educacional a tecnologia não fazia parte da escola. Essa migração
foi difícil. E um segundo ponto que tornou também os efeitos do ensino remoto
mais limitados foi a dificuldade de acesso de milhões de estudantes. Sabemos
que muitos alunos não têm conectividade adequada ou não têm os aparelhos,
computadores, tablets, celulares para o acesso ao ensino remoto, ou até mesmo
local adequado para estudo dentro de casa”, pontuou.
Quase 1,8 milhão
de alunos da rede pública não têm esses equipamentos e precisam contar com a
distribuição de celular ou tablet para se conectar. Ainda assim,
aproximadamente 3,2 milhões continuariam sem acesso, pois não têm sinal de rede
móvel onde moram.
Gestores municipais optam entre
continuidade do ensino remoto e retomada das aulas presenciais
MEC libera R$72 milhões para manutenção
de instituições de ensino
Professora de educação infantil da Rede Municipal de Luziânia (GO), Itatiane Aparecida Martins dá aulas para alunos de três a cinco anos, faixa etária que ela considera o rendimento das aulas online ainda mais complicado, por demandar muito da atenção dos pais.
“Se no presencial
eu consigo 75% a 85% de rendimento do aluno, no ensino remoto eu consigo 25% a
35%. Talvez eu consiga 45% com aquele pai que tem interesse e com aquele aluno
muito dedicado eu consiga 50%. Porém o pior é ficar sem fazer nada. Talvez o
pai não valorize aquilo que está sendo proposto, mas a gente busca alternativas
para dar um suporte e também estímulo para que ele não desista de fazer a
atividade”, ressaltou.
Apesar da
dificuldade no aprendizado em casa, ela acredita que ainda não é o momento do
retorno presencial. “É fácil colocar a criança dentro da escola sob os cuidados
do professor e a escola ser responsabilizada. É muito fácil achar o culpado.
Precisamos lembrar que estamos lidando com vidas, o professor já tem muita
responsabilidade.”
Atraso
no calendário letivo
Outra consequência
da pandemia e do ensino remoto é que muitos municípios não conseguiram
finalizar o ano letivo de 2020, como é o caso de Acrelândia (AC), que com as
medidas de isolamento não teve tempo hábil para concluir o conteúdo no ano
passado. O retorno das aulas está marcado para o dia 8 de fevereiro ainda de
maneira remota, a expectativa para o início do calendário letivo de 2021 e
retorno presencial é para o mês de maio.
Professor da rede
municipal da cidade e pai de um aluno de 12 anos, Samuel Bento dos Reis contou
sua experiência com o ensino remoto dos dois lados. “Foi muito complicado
trabalhar este ano com essas aulas remotas, até porque tem pai que não aceita e
tem criança também que não tem desenvolvimento nenhum, principalmente aqueles
que pegam as atividades na escola e fazem sozinhos. Alguns são acompanhados do
pai, amigo ou até irmão mais velho”, afirmou.
Segundo o
coordenador do Todos Pela Educação, Ivan Gontijo, a primeira medida acerca da
definição do calendário deve ser contabilizar a carga horária do ensino remoto
e realizar uma avaliação diagnóstica, para os professores entenderem como os
alunos estão chegando. A mentalidade deve ser de recuperar a defasagem no
aprendizado dos alunos, para que nenhum fique para trás.
“É importante que
as Secretarias de Educação forneçam avaliações padronizadas para todas as
escolas, para conseguirmos ter um panorama geral de como os alunos estão
chegando e quais temas e conteúdos precisam ser mais aprofundados. Essa
avaliação vai ter o papel de guiar o planejamento pedagógico ao longo dos
próximos anos letivos”, disse.
Fonte: Brasil 61
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